Sobre as limitações

Copenhagen, 1925.

Harald: Como vai, estimado Olaf?

Olaf: Vou mal... tenho pensado em quanto sou defeituoso. Cheio de limites e misérias, defeitos morais e defeitos físicos.

Harald: Só agora te deste conta disso? Na verdade, somos todos assim: incompletos e complementares.

Olaf: Incompletos e complementares?!

Harald: Sim, repare que és tu não muito belo, não muito inteligente, mas és rico, simpático, ordenado... Tens uma série de vantagens e virtudes, e outras te faltam. Eu, pobre que sou, pelo menos sou inteligente. Não muito belo, mas -- permita-me dizê-lo -- mais que tu. E somos amigos. Ninguém é completo, ninguém tem todas as virtudes e vantagens. E não há nada de mal nisso: não temos que ser completos e perfeitos. Perfeito, só Deus. Quando o homem quer ser Deus, se frustra, não se realiza.

Olaf: Mas por que me sinto tão mal em não ser perfeito, se não tenho nenhuma obrigação em sê-lo?

Harald: Para esclarecer: perfeito deves sim ser, mas perfeito dentro de tuas circunstâncias. Deves realizar todo o bem que podes dentro de tuas circunstâncias: rico, simpático, ordenado que és, feio e ignorante que és. E eu devo realizar também todas minhas potencialidades, diferentes potencialidades. E assim todos os homens. E uns ajudarão outros, porque têm talentos diferentes. Somos incompletos sozinhos, e complementares em sociedade. Na verdade, uns dependemos dos outros, e estamos em sociedade para ajudarmo-nos mutuamente: isso é o que ensina a doutrina mais tradicional, e também o bom senso.

Olaf: Minha pergunta não respondeste: de onde me vem essa angústia de não ser completo? De não ser, por assim dizer, auto-suficiente?

Harald: Vem, meu caro Olaf, do orgulho, grande mal que vive dentro de ti e de mim. Conheces o que te foi ensinado: desde o início o homem foi tentado pela idéia de ser igual a Deus. Nós somos capazes de angustiarmo-nos por não termos tudo e não sermos tudo que queremos. Por isso há que dominar a vontade, para querer retamente , de acordo com o que determine a razão, e não se deixar levar por paixões. Também há, é claro, que esclarecer a razão, para que seja reta também.

Olaf: Parece-me coerente.

Harald: Em reforço a essa má tendência, tendência essa que a simples observação do mundo e das pessoas comprova, temos a ideologia do liberalismo. O liberalismo separa o homem de seu ambiente social, tratando-o como um indivíduo isolado, não é verdade? Se ele é um indivíduo isolado, ele não pode mais contar com as virtudes e vantagens dos outros. Antes, dentro da doutrina tradicional, um homem tinha um pouco da riqueza e da inteligência dos outros, porque todos eram membros do mesmo corpo que é a sociedade. Agora, cada homem é isolado, deve ser um corpo completo. Por isso de cada um é exigido que seja rico, inteligente, virtuoso e belo: se não é completo e auto-suficiente, é um frustrado para o liberalismo. Isso explica também que estejas tu tão abatido... Quanto já não bebeste da ideologia liberal, que entra pelos poros no mundo de hoje?

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